quarta-feira, julho 18

Andei revirando fotos. Achei algumas coisas que me fizeram sorrir. E outras, me fizeram chorar. Lembrei de outros gostos, outros lugares, outros tempos.

O dia em que virei boneca

Percebi, logo ao amanhecer
Que havia perdido o movimento dos olhos.
Para frente, era a única direção que eles conheciam.
Agora eu só olhava adiante.
Fui tomar banho e notei, sem muita emoção,
Que minha pele já não absorvia a água com tanta facilidade.
Acho que perdi a capacidade de sentir na pele. 
A falta de sangue me deixou mais reciclável e fria, 
Alguns nutrientes a menos me embaraçaram mais os cabelos…
Cabelo… Sempre foi a minha parte menos desartificial,
Sempre foi meu parque de diversões nos dias de tédio. 
Abri meu guarda-roupas e uma novidade confortante:
Agora eu só tenho um vestido. 
Um amarelo estampado, com renda no final, como deveria ser a vida. 
Não preciso escolher o que vestir. 
Só preciso escolher entre me vestir, ou não. 
Pela primeira vez na vida, não tenho um dono. 
Tenho hora para o chá, tenho uma prateleira e, às vezes, 
Por pouco tempo, pego poeira. 
Mas nunca mais fui obsoleta. 
Sempre existe alguém enxergando diversão em mim. 
Uma vez que saí da embalagem, minha vida é criar memórias. 
Todo mundo “amava aquela boneca”. 
Agora muita gente já me amou, até no futuro. 
Sou pouco articulada, mas não me preocupo com as cutículas. 
Minha maçã é rosada, algumas pessoas vão me achar ridícula. 
Mas, meu rosto agradavelmente só me permite sorrir. 
Sorrir e olhar para frente. 
Amar quem atropelar meu olhar, e saber ser memória. 
Aprendi a ser memória. 
Foi esse o dia em que virei boneca