sexta-feira, janeiro 27

Chove lá fora


Uma caixa de papelão virou depósito de coisas sem destinos. Situada quase em frente a porta do banheiro, dificulta um pouco a passagem. Não se move. Chove lá fora. 
Dentro dela encontram-se livros, sacos plásticos, roupas, algumas sacolas de pano, uma fronha verde, uma lista telefônica desatualizada, uma bateria de máquina fotográfica e sabe Deus o que mais. Chove lá fora. 
A porta da sacada está aberta. O suave vento traz o aroma da chuva de verão. Parece que chove a dias. 
No balcão há fios, carregadores, cremes, inseticidas, cadernos e remédios. Sobre a cama, algumas outras roupas sem nexo, cobertores, travesseiros, documentos, pen drives, um pente e eu. E eu. 
Chove lá fora e o que eu mais quero é ficar aqui dentro. De uns dias para cá, tenho mantido meu canto limpo e bagunçado - possível contradição - pois quero fazer algo aqui. Não quero sair daqui. 
Quero e não quero. Não quero e quero um pouco. Eu quero!
Lá fora tem um mundo para eu viver. Eu juro, não quero me aprisionar. Eu quero tornar esses últimos momentos eternos. Lá fora tem um mundo a chover. E eu não quero que pare... Quero fragmentar esse cheiro bom de terra molhada. Tornar infinito enquanto aqui estiver.
Em alguns dias eu sentirei saudades. Vou buscar o mundo. Vou aprender e apreendê-lo para guardá-lo no meu quarto. Como um sonho de menina, quando chover lá fora, dormirei e serei feliz para sempre.